O Abril Amarelo do Jorginho Mello e seu impacto também no meio urbano: contribuições para uma militância em defesa da população em situação de rua.
- atendimentopsol
- 15 de fev.
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Por Ana Maba e Mario Dutra.
O objetivo deste texto é trazer algumas considerações sobre a Lei 19.226/25, que altera o calendário oficial do Estado de Santa Catarina, incluindo o Abril Amarelo: mês dedicado a ações de conscientização sobre a importância da defesa da propriedade privada.

Não há dúvidas de que se trata de uma agenda de criminalização e perseguição dos movimentos sociais do campo, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST e o Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB. É uma campanha bastante perigosa, pois entre as ações previstas em lei está o incentivo à formação de grupos de proprietários “para evitar invasão”. Institucionaliza a possibilidade de formação de milícias e grupos paramilitares. Ressalta-se que a escolha do mês e o título com uma cor são uma oposição direta ao Abril Vermelho, que é a Jornada Nacional em Defesa da Reforma Agrária, organizada pelo MST.
Sabemos que o agronegócio e os grandes proprietários de terra estão por trás disso. Mas este tema — a defesa da propriedade privada a qualquer custo — é central para a extrema direita. O governador Jorginho Mello, porta-voz do bolsonarismo catarinense, utiliza a estrutura de governo para fomentar uma verdadeira guerra aos movimentos sociais do campo.
Mas será que esta campanha afeta apenas o meio agrário?
Parece-nos que a associação de cor e mês, via campanha institucional do governo do estado, pode também legitimar ações truculentas nas cidades, sobretudo contra pessoas em situação de rua. O discurso da defesa da propriedade também é percebido na criminalização dessa população. A ideia de que a rua, para a extrema-direita, nem sempre é um espaço público — “estão na minha calçada, circulam no meu bairro” — reforça a ação violenta de remoção nestes espaços.
Se observarmos os conteúdos nas redes sociais dos prefeitos de extrema-direita de SC, realizando atendimento direto a essa fração da população, com acompanhamento da polícia, percebemos que essa narrativa vem sendo cravada a próprio punho. Não se fala em direito à formação para o trabalho, moradia ou mesmo em atendimento de saúde. O discurso é de criminalização.
As pessoas em situação de rua precisam de um lugar para sobreviver e, por isso, ocupam espaços. Na falta de políticas públicas, ocupam! A elite, representada nos governos de direita, já entendeu isso. Qualquer trabalhador do Sistema Único de Assistência Social — SUAS, que atende pessoas em situação de rua, aprende desde cedo a mapear a cidade, identificar rotas, lugares para descanso, sombra, água, comida e até mesmo as formas de comunicação e proteção entre os próprios pares, para conquistar confiança e ser mediador na construção de novas perspectivas de vida. Uma campanha como o Abril Amarelo reforça impedimentos nesse sentido.
Quem nunca viu aquela casa abandonada há anos abrigando alguém? Embaixo da ponte ou na praça, já deixou de ser seguro há muito. Estar na rua é multifatorial: nunca há um motivo único e de simples resolução. As questões sociais são complexas e construídas pelo modo de vida baseado na defesa da propriedade e da acumulação, a diminuição de investimentos em políticas sociais intensifica a violência e reflete em projetos de extermínio.
A Política Nacional para a População em Situação de Rua precisa ser mais do que um decreto presidencial. Ainda assim, mesmo reconhecendo alguns avanços do SUAS em termos regulatórios, o financiamento da assistência social tem ficado cada vez mais à mercê dos municípios. Com os desmontes do governo federal (2018-2022), até mesmo os dados sobre essa população sofreram retrocessos. Quantos são? Quais são as principais demandas? Como estão epidemiologicamente? A cor e o gênero a gente sempre sabe. Não por menos, os comitês previstos nesta política nunca saíram do papel nos municípios; quando muito, são casos isolados e de curto prazo. As maiores cidades do estado — Joinville e Florianópolis — atendem a população em situação de rua por meio do SUAS através de serviços terceirizados. E os prefeitos de ambas as cidades, Adriano Silva (NOVO) e Topázio Neto (PSD), aliados de primeira hora do bolsonarismo, estão protagonizando um movimento para alterar a legislação federal das políticas públicas para essa população.
As esquerdas precisam enfrentar seriamente esse tema. Campanhas como esta do Abril Amarelo não só criminalizam os movimentos sociais organizados no meio rural, mas podem reforçar violências também no meio urbano. Sabemos que a organização de “ações públicas” para “combater” pessoas em situação de rua nas grandes cidades em Santa Catarina já é uma realidade. Iniciativas para atacar direitos, como os Restaurantes Populares em Joinville, Florianópolis e Chapecó estão em andamentos nas câmaras de vereadores. No último ano, foram diversas as iniciativas em cidades catarinenses de se criar legislação permitindo internações involuntárias, apesar de já haver decisões em tribunais superiores considerando a media inconstitucional. Não podemos deixar estas violências avançarem.
Estejamos atentos e vigilantes!
Ana Maba é assistente social e dirigente do PSOL em Bombinhas.
Mario Dutra é historiador e dirigente do PSOL em Joinville.
Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a posição das instâncias do PSOL.
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